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Assinaturas Eletrónicas, Documentos Eletrónicos e Arquivo Eletrónico
24 de Junho, 2025

RESUMO

Procede-se à análise da legislação que regula e reconhece a admissibilidade da utilização de assinaturas eletrónicas, documentos eletrónicos e arquivo eletrónico, à luz da legislação da União Europeia e do ordenamento jurídico interno português sobre a matéria.

 

Introdução

Permanece na ordem do dia o tema das assinaturas eletrónicas, documentos eletrónicos e arquivo eletrónico, fruto, não só, da legislação da União Europeia que renova e reconhece a importância da regulação do tema e da evolução tecnológica que o permite.

Em virtude do mesmo, a presente “TMA News” dedica-se a este tema.

A regulação desta matéria encontra-se principalmente no Regulamento 910/2014 de 23 de julho de 2014 (também conhecido e doravante designado como “Regulamento eIDAS”), conforme alterado pelo Regulamento (UE) 2024/1183 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de abril de 2024.

No Direito nacional, merece destaque o Decreto-Lei 12/2021 de 9 de fevereiro (doravante, “DL 12/2021”) que assegura a execução na ordem jurídica interna do Regulamento (UE) 910/2014, relativo à identificação eletrónica e aos serviços de confiança para as transações eletrónicas no mercado interno.

Ainda que o Regulamento eIDAS regule outras matérias, focar-nos-emos naquelas que concernem às assinaturas eletrónicas, documentos eletrónicos e arquivo eletrónico.

 

Prestadores de serviços de confiança

Os prestadores de serviços de confiança são uma “figura” central no Regulamento eIDAS. Estes são definidos como “a pessoa singular ou coletiva que preste um ou mais do que um serviço de confiança quer como prestador qualificado quer como prestador não qualificado de serviços de confiança” (cfr. Artigo 3.º, n.º 19 do Regulamento eIDAS).

Conforme resulta da definição exposta, o Regulamento eIDAS distingue entre prestador qualificado de serviços de confiança e prestador não qualificado de serviços de confiança, em função da atribuição deste estatuto ou não pela entidade supervisora ao serviço de confiança[1].

Um serviço de confiança trata-se de um serviço eletrónico geralmente prestado mediante remuneração e que consiste num conjunto de serviços elencados no Regulamento eIDAS. Entre os quais, estão a emissão, validação de certificados de assinaturas eletrónicas, a criação, validação, conservação de assinaturas eletrónicas e o arquivo eletrónico de dados eletrónicos e documentos eletrónicos (artigo 3.º, n.º 16, alíneas a), b), c), d), e) e m) do Regulamento eIDAS).

Constituem exemplos de prestadores de serviços de confiança que prestam, em Portugal, serviços qualificados de emissão de certificados de assinaturas eletrónicas o DigitalSign – Certificadora Digital e a Multicert- Serviços de Certificação Eletrónica, S.A.

Densificaremos abaixo o regime aplicável às assinaturas eletrónicas.

  • Assinaturas eletrónicas

O Regulamento eIDAS identifica 3 tipos de assinaturas eletrónicas: (i) “assinatura eletrónica simples”: “os dados em formato eletrónico que se ligam ou estão logicamente associados a outros dados em formato eletrónico e que sejam utilizados pelo signatário para assinar”, (ii) “assinatura eletrónica avançada”: “uma assinatura eletrónica que obedeça aos requisitos estabelecidos no artigo 26.º do Regulamento eIDAS”[2], e a (iii) “Assinatura eletrónica qualificada”: “uma assinatura eletrónica avançada criada por um dispositivo qualificado de criação de assinaturas eletrónicas [3]e que se baseie num certificado qualificado de assinatura eletrónica[4]” (artigo 3.º, n.ºs 10 a 12 do Regulamento eIDAS). 

Nos termos do Regulamento eIDAS (no seu considerando 49) esclarece-se que não podem ser negados efeitos legais à assinatura eletrónica pelo facto de se apresentar sob forma eletrónica ou de não cumprir os requisitos da assinatura eletrónica qualificada, mas que o seu efeito legal deve ser definido pelo Direito nacional.

O Direito interno português, nos termos do artigo 3.º, n.º 2 do DL 12/2021, estabelece que: “A aposição de uma assinatura eletrónica qualificada a um documento eletrónico equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel e cria a presunção de que: a) A pessoa que apôs a assinatura eletrónica qualificada é o titular desta ou é representante, com poderes bastantes, da pessoa coletiva em causa; b) A assinatura eletrónica qualificada foi aposta com a intenção de assinar o documento eletrónico; c) O documento eletrónico não sofreu alteração desde que lhe foi aposta a assinatura eletrónica qualificada”.

Mais se estabelece, nos termos do artigo 3.º, n.º 3 do DL 12/2021, que a assinatura eletrónica qualificada deve referir-se inequivocamente a uma só pessoa singular ou representante da pessoa coletiva e ao documento ao qual é aposta.

Cumpre agora analisar o disposto nos regimes mencionados no que toca a documentos eletrónicos.

 

Documentos Eletrónicos

 

  • Conceito

Um documento eletrónico corresponde a “qualquer conteúdo armazenado em formato eletrónico, nomeadamente texto ou gravação sonora, visual ou audiovisual” (nos termos do artigo 3.º, n.º 35 do Regulamento eIDAS).

  • Efeitos Legais

Também quanto aos mesmos, o Regulamento eIDAS estabelece que não podem ser recusados efeitos legais a um documento eletrónico pelo facto de se apresentar em formato eletrónico, tendo como principal objetivo que nenhuma transação eletrónica é rejeitada pelo facto de o documento se apresentar em formato eletrónico (cfr. considerando 63 do Regulamento eIDAS), conforme estabelece o artigo 46.º do Regulamento eIDAS, que assim equipara os documentos digitais e os documentos em suporte físico

  • Forma

Nos termos do artigo 3.º, n. º1 do DL 12/2021 o documento eletrónico satisfaz o requisito legal de forma escrita quando o seu conteúdo seja suscetível de representação como declaração escrita (o exposto deve ser articulado com o referido acima quanto ao artigo 3.º, n.º 2 do DL 12/2021, do que resulta que uma assinatura eletrónica qualificada aposta a um documento eletrónico equivale à assinatura autógrafa dos documentos com forma escrita sobre suporte de papel).

  • Força probatória

Também se consagra, nos termos do artigo 3.º, n.º 5 do DL 12/2021 que quando lhe seja aposta uma assinatura eletrónica qualificada, o documento eletrónico com o conteúdo referido no n.º 1 tem a força probatória de documento particular assinado, nos termos do artigo 376.º do Código Civil, pelo que fará prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.

Caso não tenha assinatura eletrónica qualificada, o valor probatório do documento eletrónico é valorado nos termos gerais do direito (art. 3.º, n.º 10 do DL 12/2021).

  • Selos eletrónicos e temporais

Caso seja aposto no documento eletrónico um selo eletrónico[5] ou temporal[6] qualificado[7], no caso do primeiro, presume-se a originalidade e integridade do documento eletrónico, e no caso do segundo, presume-se a exatidão da data e hora por ele indicados, bem como, a integridade do documento eletrónico, por força do artigo 3.º, n.ºs 7 e 8 do DL 12/2021.

  • Cópia

O DL 12/2021 também consagra que as cópias impressas de documentos eletrónicos, e que, como tal, não permitem a verificação e validação das assinaturas ou selos eletrónicos,  são válidas e eficazes nos termos gerais de direito e têm a força probatória atribuída às cópias fotográficas pelo n.º 2 do artigo 387.º do Código Civil (artigo 3.º, n.º 11 do DL 12/2021).

Ao abrigo do artigo 5.º-A, n.º 1 do DL 12/2021 “É reconhecida às cópias digitalizadas e às fotocópias dos atos e contratos a força probatória dos respetivos originais salvo se a pessoa a quem forem apresentadas requerer a exibição desse original.”

Acresce que nos termos do n.º 2 do artigo 5.º-A do DL 12/2021 a assinatura das cópias digitalizadas dos atos e contratos por via manuscrita ou por via de assinatura eletrónica qualificada não afeta a validade dos mesmos, ainda que coexistam no mesmo ato ou contrato formas diferentes de assinatura.

Arquivo eletrónico

O arquivo eletrónico corresponde a “um serviço que assegura a receção, o armazenamento, a recuperação e a supressão de dados eletrónicos e de documentos eletrónicos, a fim de assegurar a sua durabilidade e legibilidade, bem como para preservar a sua integridade, confidencialidade e prova de origem durante todo o período de preservação”, nos termos do artigo 3.º, n.º 48 do Regulamento eIDAS.

Em acréscimo, não podem ser negados efeitos ou admissibilidade como prova aos dados eletrónicos, nem aos documentos eletrónicos conservados através de um serviço de arquivo eletrónico.

Se os documentos forem conservados através de um serviço qualificado de arquivo eletrónico gozam da presunção da sua integridade e origem durante o período de conservação pelo prestador qualificado de serviços de confiança, nos termos do artigo 45.º-I do Regulamento eIDAS.

 

 

_________________________________________________________

[1] Conforme resulta da definição de “prestador qualificado de serviços de confiança” do artigo 3.º, n.º 20 do Regulamento eIDAS: “o prestador de serviços de confiança que preste um ou mais do que um serviço de confiança qualificado e ao qual é concedido o estatuto de qualificado pela entidade supervisora”. Um serviço de confiança qualificado é aquele que “satisfaça os requisitos aplicáveis estabelecidos no presente regulamento” (artigo 3.º, n.º 17 do Regulamento eIDAS). Atente-se ao artigo 21.º do Regulamento eIDAS relativo aos termos em que um prestador qualificado de serviços de confiança pode iniciar a prestar esse serviço.

[2] O artigo 26.º do Regulamento eIDAS estabelece os seguintes requisitos: (i) Estar associada de modo único ao signatário; (ii) Permitir identificar o signatário; (iii) Ser criada utilizando dados para a criação de uma assinatura eletrónica que o signatário pode, com um elevado nível de confiança, utilizar sob o seu controlo exclusivo; e (iv) Estar ligada aos dados por ela assinados de tal modo que seja detetável qualquer alteração posterior dos dados.

[3] Um dispositivo de criação de assinaturas eletrónicas corresponde a um “software ou hardware configurados, utilizados para criar assinaturas eletrónicas” e um “dispositivo qualificado de criação de assinaturas eletrónicas” trata-se de um dispositivo para a criação de assinaturas eletrónicas que cumpra os requisitos estabelecidos no anexo II”. Artigo 3.º, n.ºs 22 e 23 do Regulamento eIDAS.

[4] Nos termos do artigo 3.º, n.º 15 corresponde a “um certificado de assinatura eletrónica, que seja emitido por um prestador de serviços de confiança e satisfaça os requisitos estabelecidos no anexo I”.

[5] Definido como “os dados em formato eletrónico apenso ou logicamente associado a outros dados em formato eletrónico para garantir a origem e a integridade destes últimos” nos termos do artigo 3.º, n.º 25 do Regulamento eIDAS.

[6] Definido como “os dados em formato eletrónico que vinculam outros dados em formato eletrónico a uma hora específica, criando uma prova de que esses outros dados existiam nesse momento”, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 33 do Regulamento eIDAS.

[7] No caso de um “Selo eletrónico qualificado” este corresponde a um selo eletrónico avançado criado por um dispositivo qualificado de criação de selos eletrónicos e que se baseie num certificado qualificado de selo eletrónico (artigo 3.º, n.º 27 do Regulamento eIDAS) e um selo temporal qualificado é definido como “um selo temporal que satisfaça os requisitos estabelecidos no artigo 42.º do Regulamento eIDAS (artigo 3.º, n.º 34 do Regulamento eIDAS).

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