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A impenhorabilidade parcial da indemnização em substituição da reintegração em caso de despedimento ilícito
7 de Abril, 2025

RESUMO

O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2025 considerou que a indemnização concedida a um trabalhador despedido ilicitamente, em substituição da reintegração, é parcialmente impenhorável, nos termos do artigo 738.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. O Supremo Tribunal de Justiça entende que a indemnização tem uma função de subsistência, garantindo ao trabalhador os meios necessários para se reestabelecer profissionalmente e suavizar o impacto da perda do emprego, pelo que, deve ser considerada parcialmente impenhorável.

INTRODUÇÃO

  1. No dia 25 de março de 2025 foi publicado no Diário da República o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2025 (doravante, “AUJ n.º 4/2025”). Na decisão, foi proferido o seguinte sumário:

«A indemnização atribuída ao trabalhador ilicitamente despedido, em substituição da reintegração, é parcialmente impenhorável, nos termos do n.º 1 do artigo 738.º do Código de Processo Civil.»

  1. No âmbito de uma execução instaurada pela Cooperativa Agrícola de Barcelos, CRL, contra três executados, o tribunal da 1.ª instância, determinou que o Agente de Execução da ação deveria restituir o montante penhorado à executada, ao abrigo do artigo 738.º, nº 1 do Código de Processo Civil, por considerar que o mesmo visava “compensar [a] trabalhador[a] pelo despedimento e assegurar-lhe um meio de subsistir economicamente durante algum tempo”.

O Tribunal da Relação de Guimarães concedeu provimento parcial ao recurso interposto pela exequente, confirmando a decisão quanto à impenhorabilidade de dois terços da indemnização recebida por despedimento ilícito.

A exequente recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, com o fundamento de contradição com um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.03.2018, no qual se decidiu pelo não enquadramento da indemnização por cessação do contrato de trabalho nos termos do n.º 1 do artigo 738.º do Código de Processo Civil, por (i) não se tratar de uma prestação periódica ou equiparável, e (ii) por não se considerar que esse rendimento se revelava necessário para assegurar a dignidade da vida da executada.

Admitiu-se o recurso para uniformização de jurisprudência com fundamento na contradição de julgados, por perante situações de facto com o mesmo núcleo essencial ter sido aplicado de forma diferente o mesmo normativo legal, i.e., o artigo 738.º do Código de Processo Civil.

DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

O Supremo Tribunal de Justiça considerou o enunciado normativo constante do artigo 738.º, n.º 1 do Código de Processo Civil de modo a compreender se a prestação em causa (a indemnização em substituição da reintegração) se poderia enquadrar em “prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado”.

O Supremo Tribunal de Justiça decidiu que a indemnização em substituição da reintegração poderia preencher o conceito de “prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado” por força de vários argumentos.

Em primeiro lugar, uma interpretação que atende ao elemento histórico da norma realça que o legislador coloca a tónica na função que a prestação assume. Em concreto, em momento anterior à reforma do Código de Processo Civil de 2013, a expressão “prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado” não constava do enunciado normativo. Apenas se consideravam parcialmente impenhoráveis prestações de vencimentos, salários, ou pensões ou de natureza semelhante às mesmas. À luz da legislação anterior, a doutrina considerava que não eram abrangidas pelo preceito este tipo de indemnizações. Com a alteração, eliminou-se a referência a “prestações de natureza semelhante” aos vencimentos e salários e passou a adotar-se a expressão “prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado”. Por este motivo, considera o Supremo Tribunal de Justiça que hoje o legislador coloca a tónica não na periodicidade da prestação, mas na natureza da prestação, em concreto, na circunstância de cumprir a finalidade da subsistência do executado.

Consequentemente, a indemnização em substituição da reintegração pode ser qualificada como uma “prestação que assegura a subsistência do executado”, na medida em que assume (para além de uma função penalizadora da atuação ilícita do empregador) uma função ressarcitória, devido a atribuir-se ao trabalhador uma “compensação pela perda do emprego que o acautele e prepare para o relançamento futuro da sua atividade profissional”, de modo a ser assegurado “um mínimo de recursos materiais que lhe permita subsistir enquanto não adquire novo emprego” e suavizar o prejuízo que decorre da cessação da relação laboral.

Adicionalmente, considerou que a ratio subjacente à norma que consagra a impenhorabilidade parcial de certo tipo de prestações atinentes à subsistência do executado também se poderia considerar verificada no caso sub judice, na medida em que a função desempenhada pela indemnização em substituição da reintegração é semelhante àquela desempenhada pelas outras prestações que são parcialmente impenhoráveis.

Acresce que, atendendo-se ao artigo 2.º, n.º 4 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, não se justificaria que num lugar do sistema prestações que continuem a ser devidas mesmo que o contrato de trabalho não subsista fossem parcialmente excluídas de tributação e que noutro, não se admitisse a impenhorabilidade parcial deste tipo de prestações. Além disso, seria incoerente que determinados créditos laborais gozassem de privilégio imobiliário especial, nos termos do artigo 333.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho, garantindo-lhes prioridade no pagamento aos credores em sede do processo de insolvência, e, ao mesmo tempo, fossem passíveis de penhora num processo executivo.

Por último, entende o Tribunal que esta solução é aquela que proporciona que o trabalhador possa escolher entre a reintegração no trabalho ou a indemnização por ausência de reintegração, livremente, sem ser condicionado com a possibilidade de lhe ser penhorada a indemnização por reintegração e por isso ser constrangido a escolher a sua própria reintegração nas funções que exercia junto do empregador.

DECLARAÇÃO DE VOTO

O juiz conselheiro Nelson Borges Carneiro considerou que porque a indemnização em substituição da reintegração não se trata de uma prestação que visa a subsistência do executado (antes decorre da obrigação geral de indemnizar constante do artigo 562.º do CC) e por não ser uma prestação periódica ou equiparável, não está sujeito ao regime constante do artigo 738.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

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